
Há já mais de meio século que tinha acabado o efémero período de faustosa riqueza que o ouro do Brasil tinha proporcionado aos poderosos deste País, como é exemplo o Real Convento de Mafra mandado construir por D. João V. Em 1807, 52 anos depois do terrível acontecimento nacional que foi o terramoto de 1755, Portugal vivia num limbo pobretanas em que só o edificado e as aparências douradas da coroa, destoavam da miséria abundante que se espalhava pelas cidades e pela ruralidade.
Até este dia ventoso de Novembro, o poder era exercido no meio dos disparates proferidos por uma Rainha louca, D. Maria I, por um Príncipe Regente que viria a ser D. João VI, a Consorte D. Carlota Joaquina que, diziam as más (e boas) línguas, encornava o marido a torto e a direito, e, fora do âmbito familiar, pelo domínio militar Inglês muito reforçado pela fúria conquistadora de Napoleão Bonaparte.
O Imperador francês exigia que Portugal encerrasse os portos aos ingleses, D. João dizia “nim” conseguindo enganar durante algum tempo Napoleão, e, no âmbito da aliança Anglo-Portuguesa, ou a seu pretexto, uma armada Inglesa se instalou ao longo da costa e, em Terra, muita infantaria e artilharia se aquartelou.
Foi com o Reino nesta situação e sem ceder às pretensões francesas, que o Imperador, depois de ter posto no “bolso” a grande Espanha, se decidiu pela invasão do minúsculo território de Portugal. Mandou 30 mil homens comandados por Junot, e, na manhã de 29 de Novembro, estava a duas léguas de Lisboa.
«As forças de Junot aproximavam-se de fato muito rapidamente da capital, mas continuava a soprar um vento adverso que mantinha a frota ancorada. Os navios portugueses, agora perigosamente sobrelotados, balançavam para um lado e para o outro. Um medo indizível espalhava-se pelo convés das embarcações – o da possibilidade muito real de serem apanhados no porto pelos franceses.»(1)
Mas não, isso não aconteceu e…
«Na manhã de 29 de Novembro o vento mudou. Às sete da manhã foi dada ordem para levantar âncora. Parara de chover e, com céu limpo, os navios, balanceando, desceram o Tejo até à barra.» (2)
E partiram Atlântico abaixo em direção ao Brasil, donde só voltariam 14 anos depois.
Para trás ficou um País abandonado, despojado das suas riquezas, descapitalizado e entregue à sua sorte, neste caso, aos franceses e ingleses e, no cais e nas suas proximidades, um rasto de destroços e restos da bagagem real como se de lixeira se tratasse. A biblioteca real da Ajuda composta por sessenta mil volumes ficou espalhada pela lama, caixotes e caixotes de documentos, mapas e outros livros, alguns deles, edições únicas e datados da época das descobertas, coches luxuosos vazios mas alguns ainda cheios de recheios retirados dos palácios.
Claro que, a maior parte das riquezas, incluindo o “Tesouro Real”, com pelo menos metade da moeda em circulação e todo o espólio de diamantes e ouro, não ficaram para trás e viajaram até ao Brasil.
Desde este dia, Portugal não voltou a recompor-se mas isso é outra história.
SBF
(Notas: (1) e (2) Extraído do livro “Império à Deriva” de Patrick Wilchen. Edição da “Civilização”)
(Gravura: Partida da Frota Real. – Wikipédia)
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