O Mistério do IC 19


Inspiradíssimo no célebre “Mistério da Estrada de Sintra” da parceria Eça+Ortigão, que nem mulher em princípio de gestação, surgiu-me o desejo de desvendar o “Mistério do Itinerário Complementar número dezanove”.

Fui empurrado para esta aventura pelo meu vizinho preferido, que, tão desesperado se encontrava, que eu não encontrei outra forma de o acalmar, prometendo-lhe ajuda para solucionar tão grande imbróglio.

Num destes dias ia o meu vizinho no seu carrito muito descansado a entrar no Itinerário Complementar número dezanove, ali quando se vem dos Casais de Mem Martins em direcção a Sintra, quando, tendo andado aí uns cem ou duzentos metros, sem se ter apercebido de obstáculo algum e sem companhia à vista naquele asfalto cheio de falhas, uma onda luminosa o ataca do lado direito, sendo para ele certo tratar-se de raio da trovoada que tem andado por aí, cambaleando o carrito que ia ser difícil endireitá-lo.

O meu vizinho sabe, como toda a gente, que este Itinerário Complementar está cheio de mistérios, mas este de um raio sem trovão que nunca mais ribombou, é que nunca lhe tinha passado pela cabeça. Bom, enquanto o carrito se põe direito e se prepara para marchar em direcção aos travesseiros não de cama mas de doce da Vila de Sintra, apercebe-se de grande aparato, com pirilampos de polícia e tudo, logo à frente quando o Itinerário Complementar acaba e começa a velha estrada em Ranholas.

Ao aproximar-se do aparato, repara num Agente de Autoridade acenando com um objecto luminoso mandava-o encostar à berma logo a seguir. O meu vizinho lá fez o que o Senhor Agente mandou, começando logo o puto que vinha no banco de trás a dizer que a pistola do homem fardado era “buéda” fixe, a perguntar se dava tiros, se matava os bandidos, enfim, aqueles “ensinamentos” todos que ele aprende na televisão e na playstation.

Pelo que vem escrito, já se adivinha o que aconteceu ao meu vizinho. Depois do ritual da continência e da apresentação dos documentos, a declaração esperada; “O Senhor Condutor está autuado” , diz o Senhor Agente em postura solene. O quê ?? diz espantado o meu vizinho, mas porquê ?? O Senhor Condutor vinha em excesso de velocidade,… em excesso de… mas eu vinha… o Senhor Condutor vinha a 70 Kms por hora quando o limite é 60 Kms por hora… Bom, o resto foi o costume nestas situações e lá vão mais uns trocos, que, para o meu vizinho, se transformam em indignação pela maneira como foi caçado, isso mesmo, caçado.

À noite, quando o meu vizinho vem desabafar comigo a propósito da multa, conta-me a história do mistério do raio sem trovão, pedindo-me opinião sobre o que teria acontecido. Simplesmente lhe disse que, pelo que me contava, o mistério já estava desvendado. Oh vizinho, mas como ? Como é que o vizinho sabe o que aconteceu ? É muito fácil… digo eu, o que o vizinho viu não era raio, era flash… flash?? Sim flash do radar para captar a velocidade dos carros. Foi aí que o vizinho foi caçado. Radar ?? Flash ??, Então, mas oh vizinho, as autoridades não estão empenhadas na prevenção ?? na ajuda aos utilizadores, ainda por cima agora que estão em obras ?? e os automobilistas não têm que estar avisados quando há controle de radar ?? Os Agentes de Autoridade não têm que estar visíveis em vez de escondidos?? Oh homem você até parece que não é de cá, tudo isso que você diz é noutra galáxia, não nesta!

E assim ficou desvendado o “Mistério do Itinerário Complementar número dezanove”. Não era raio de trovoada, mas sim Flash de radar com função de caçador impiedoso.

O que vem escrito é ficção.

Qualquer parecença entre alguma passagem do texto e a realidade, é pura coincidência.

Fevereiro de 2008

Olhos sobre Sintra



Vista cá de cima até parece que cabe na palma de uma mão. As chaminés do Palácio da Vila como dois inocentes cartuchos de papel.



Vista
Muralhas do Castelo dos Mouros. Tantas batalhas foram em cima e em baixo pelos penhascos de ninguém.


Aglomerado da Vila e Castelo em cima com atitude de protector dos Sintrenses.


Areal da Praia Grande em tarde de Inverno, testemunha de muitos amores escaldantes em areia quente de verões tórridos.

Os olhos de Sintra conseguem ver belezas eternas.
Os olhos de Sintra têm o previlégio de ver as coisas mais belas que existem no planeta.
Os olhos de Sintra não têm descanso porque estão permanentemente ocupados com todos os cantinhos que alegram o nosso viver em vida de romantismo infinito.
Os olhos de Sintra não querem ver os que maltratam o nosso património.
Os olhos de Sintra não querem ver os que sobrepoem interesses especulativos à nossa história.
Os olhos de Sintra não querem nem vão deixar que destruam a nossa Vila de Sintra.
Os olhos de Sintra vão estar bem abertos.
Zambi
Fevereiro 2008

Fidel de Castro

Foi concerteza entre setenta e um setenta e dois, época em que o Fidel Castro e o Che Guevara eram venerados como exemplos de heroísmo, que comecei a ter acesso a boletins de movimentos universitários que contestavam abertamente o regime, porque embora não fosse estudante daquele grau de ensino, tinha na minha roda de amigos alguns universitários.

Num tempo em que ler um livro ou um jornal num transporte público podia ser perigoso se estivéssemos em presença de livro estrangeiro ou Português mas que tivesse sido vítima da "comissão de censura", e o jornal bastava que fosse "O República", era vespertino e comecei a lê-lo diariamente, (excepto nos dias em que a censura cortava tanto que tinham que suspender a edição) aí a partir de setenta e dois. Ler o República naquela época era como fazer palavras cruzadas, ou cruzadexes, porque as notícias só conseguiam passar as malhas da censura, nas entrelinhas, ou seja era preciso algum treino para perceber determinadas notícias. Quanto aos livros, se estavam naquele lote suspeito, aprendíamos a forrá-los mas não de papel liso, porque também dava para desconfiar, tinha que ser papel que se confundisse com uma capa normal. Era assim há trinta e cinco anos atrás, e ainda andam por ai alguns a dizer que em Portugal nunca existiu ditadura.

O Che Guevara morreu nas montanhas da Bolívia em 1967 depois de ter deixado o seu lugar de super-ministro no governo revolucionário de Cuba, para continuar a luta de libertação da América Latina mais a sul. Fidel de Castro, quarenta e um anos depois, ainda vivo mas com graves problemas de saúde, deixou formalmente o poder.


Concorde-se ou não com o regime Cubano, é inegável que é o fim de uma era. Cuba e a sua revolução foram o ideário de muita gente da minha geração. Entretanto o mundo muda, a universalidade de qualquer ponto na Terra obrigava a que, mesmo Cuba, tivesse que mudar alguma coisa, e, nesse aspecto, acho que Fidel e o seu regime não foram inteligentes. Agora ou daqui a mais algum (pouco) tempo, muito provavelmente as coisas mudarão e duma forma drástica, e aí, todos vão sofrer um mau bocado. É um bocado do meu tempo que acaba.


Zambi

Fevereiro de 2008

Linha de Sintra

Aquela chiadeira das travagens perturba o sono viciado. Não consigo controlar, mesmo em pé que acontece muitas vezes, assim que entro no comboio cai um peso no sobrolho e os olhos tendem a fechar-se. Uma boa parte da vida incluiu a rotina de sono no comboio da linha de Sintra, uma vez de manhã e outra vez ao fim do dia, quando tinha, porque algumas vezes já não era fim mas princípio do outro. Estação de Sintra e do Rossio, partes do meu caminho de vida feita em trajectos bons e maus, conforme o tempo passado pelos anos do destino. Uma boa parte da vida partilhei-a em sonos viciados com magotes de gente. Todos os dias os mesmos magotes e o sono vinha sempre, companheiros de viagem e de sono dormido num vício impossível de controlar.


Naqueles sonos sonhados sempre com o click.... click ... o bilhete por favor! Que interrompe o percurso destinado à partilha com magotes de gente que são parceiros e parceiras de cama improvisada e inventada pela imaginação fértil dum cidadão qualquer. Muitos dias do meu tempo contado em mais de duas décadas de vida, o sono mais apetitoso e retemperador foi o do comboio da linha de Sintra testemunhado por magostes de gente companheiro e companheira de viagem com um semblante finalmente mais aberto, com um sorriso a chegar, ainda com medo mas a "Grândola Vila Morena" e o "E Depois do Adeus" já tinham passado na telefonia lá de casa, e, nas ruas, nas avenidas, nas praças, aqui e no País inteiro, tal e qual como no comboio da linha de Sintra, já tinham estado magotes de gente festejando a Liberdade.


Assim que entro no comboio, mais minuto menos minuto, os olhos fecham-se e o sono é verdade. E lá vem o sonho outra vez, no comboio o sonho é sempre bom, muito bom, os protagonistas são sempre boas pessoas, os colegas de trabalho os melhores do mundo, a guerra colonial vai acabar e nós e os colonizados ficamos todos muitos felizes e eu já não tenho que ir pr'a tropa, vamos pr'a CEE e o nosso País vai ficar com o mesmo nível de vida, os nossos políticos vão governar bem o nosso País, e... estou a chegar a Sintra, o barulho das agulhas à saída do túnel acordam-me, como venho do lado esquerdo, sempre que posso é o lado que escolho, vejo lá no cimo um bocado do Castelo dos Mouros e volto à realidade que neste caso é ir beber a bica do costume ao Cyntia, fazer tempo para a hora da camioneta que me levará a casa por hoje, porque amanhã o sobrolho cai, os olhos fecham-se e caio no retemperador sono que me levará outra vez ao sonho bom. Ainda me resta alguma esperança.

Zambi

Começo de vida

Nasci!
E já nasci baptizado "luadomonte"
Este monte que nos abraça tem uma lua eterna
Estamos aqui sempre para te abraçar e para beber e saborear o teu luar
Estamos aqui sempre para te admirar e para nos aquecermos com o teu calor
Estamos aqui sempre para te guardar para te proteger para te dar para te amar
Estamos aqui sempre!

PORQUE NÃO SE CALAM?

PORQUE NÃO SE CALAM? São praticamente os mesmos, que há menos de dois meses, bradavam “aos céus” por medidas mais restritivas, fortes e ...