Na véspera, ainda “Antes-do-Adeus”,
o nosso Amigo Olímpio, não sabendo
que era a última vez, precisou de aplicar o habitual disfarce nos livros “suspeitos”, que só vendia a clientes da
máxima confiança. Mesmo assim, corria muitos riscos. A “bofaria”, passeava-se e dissimulava-se por toda a parte, até nas
livrarias.
Naquele silêncio “ensurdecedor”
do Reduto-Norte-de-Caxias, ele não
podia saber que a Liberdade estava a
umas horas de distância. Naquele mesmo dia, na véspera, ainda o sol não era,
arrastaram-no até “ao sul” para mais
um interrogatório. Esteve em pé, calado, umas quatro horas, calculou ele. Os
três meses que por ali estava, tinham-no ensinado a contar o tempo: segundos, minutos,
horas, dias e meses. Quando o obrigavam a estar muito tempo em pé, às vezes
virado para a parede, enquanto o insultavam, ameaçavam a família e, quase
sempre, lhe “chegavam-a-roupa-ao-pelo”,
o físico e os neurónios davam de si,
mas, como o querer se sobrepunha, a cada tontura ou cambaleio, reagia ainda com
mais força. Como permanecia numa cela completamente isolado, estava longe de
saber que, em menos de dois dias, iria sair livre, pela porta da frente.
Não tinha passado muito tempo, desde que o navio, carregado
de magalas, deixou para trás o Bugio na foz do Tejo e se lançou no Atlântico
aberto. Com a G3 como inseparável companheira, carregado de angústia e medo,
porque não dizê-lo, ali ia ele, como se o destino fosse a forca. Porque-raio,
não fez como o Caparica? “Saltou”
para França e conseguiu logo trabalho. E ele, a única certeza que tem, é uma
guerra em África. Estava muito longe de saber que, no dia seguinte,
quinta-feira, a esperança iria destemperar-lhe a angústia. O principal objetivo
dos militares que iriam depor o regime da ditadura, era, exatamente, acabar com
a Guerra Colonial. Naquela véspera, ele não podia adivinhar o que aí, vinha.
Na quarta feira, o mancebo teve os mesmos cuidados e olhou
pelo canto do olho, as vezes que o instinto o mandava fazê-lo. Continuava,
porque não sabia que aquele dia era a véspera, a tentar adivinhar o que se
seria o seu futuro, a curto prazo. “Assentava-Praça”
em 75, ou seja, dali a um ano já podia estar a “marcar passo”. A seguir; Rocha-Conde-de-Óbidos, lencinhos brancos
de adeus e ala até Angola, Guiné ou Moçambique. Tal como a quase totalidade dos
portugueses, incluindo os do governo, o mancebo não sabia que, aquela hora, uma
onda libertadora já se movimentava, para que nada disso tivesse que vir a acontecer.
“Aqui! Posto de Comando
do Movimento das Forças Armadas!”
E o mancebo: Já não
tenho que ir para a guerra!
Silvestre Brandão Félix
24 abril de 2019