O CABOUQUEIRO E A CIÊNCIA DA PEDRA

O CHICO ERA UM DELES…

Quando estava a chegar à esquina, e de ouvido o Coutinho que era Bernardino continuava melhor que todos, começou a ouvir uma fala assim… como um discurso bem falado.
Quem havia de ser, o “caladinho”. Lá está ele… mas…, o fulano está a falar sozinho. Pois claro, se estivesse alguém, como de costume estava calado. Deixa lá ouvir o que este marmanjo diz…

É verdade, e os soldados lá iam, todos certinhos, em bicha pirilau, a subir a escada do navio, e no cais, uma multidão a dizer adeus…, eram as mães, os pais, as mulheres, os filhos e toda a família. Era um mar de lenços brancos. Os soldados, à medida que iam chegando lá acima, voltavam-se, e tentavam corresponder aos acenos. Alguns dos que subiram, não voltarão vivos. A guerra é assim, e eu vi o navio começar a deslizar nas águas do Tejo. O cais da Rocha Conde de Óbitos, deixou de ser da carga a granel e passou a ser também de soldados a granel. Muitos espíritos estão revoltados. Nos que ficaram e nos que foram. Mas o “botas” disse: «depressa e em força para Angola», e o “botas” e a pide e o marido da Gertrudes e os peões do tabuleiro e os de brega ainda mandam, e o Zé não consegue reverter a situação.

Olha lá oh “Caladinho”, o que estás para aí a dizer, que eu bem ouvi, mas não percebi patavina?

Eh pá!... nem te senti chegar, oh Coutinho que és Bernardino. Estava a falar com os meus botões.

Botões? Então soldados, navios, Angola, botas, pide, isso é lá conversa de botões? Antes de mais nada, e para ver se te entendo, vou pedir uma charrete. Oh Ramos! Já vai. Diz o Ramos. Chega lá uma charrete, não, não! É melhor só um de três tinto, depois logo se vê como é que fica a secura.

Oh Caladinho, não está aqui mais ninguém, explica-me o que é essa coisa dos botões e soldados e botas e pide.

O Caladinho, olhando sempre à volta e para a porta, lá foi dizendo.
O Chico era um deles. Não sei se o vou voltar a ver. A minha Irmã criou aquele menino com tanto amor, tanto carinho, e agora o “botas” manda-o para a guerra e ainda por cima no dia 19 de Julho que é quando faz anos. O que tem ele a ver com a guerra? Bem que ele queria ir era para a França, a salto, em vez de ir para Angola. O Delgado é que devia ter posto mãos a isto. O “botas” ia logo tratar da horta para Stª Comba Dão e a Gertrudes não tinha chegado a ter um marido Contra-Almirante e Presidente da República.

Extracto de: “O Cabouqueiro e a Ciência da Pedra” – Autoria: Silvestre (SBF)

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