ROSÁRIO DE MARIA II



Daquela janela do terceiro andar via Maria pelas verdes águas furtadas às telhas cor de barro num cúmplice olhar. Pela direita, ao longo dos carris dos amarelos, a do alecrim acabava num largo de Camões e Chiado com a ilusão de óptica de afunilamento.

E a Maria entre o recife dos bábás e a brasileira dos natas únicos do cais do sodré, e lá caminhávamos, lado a lado, pela 24 de Julho até à junqueira em estudo da Dona Maria Amália. Mais tarde, ao contrário, com o poente atrás, lá regressávamos muito devagar, o mais devagar possível, com toques leves na mão leve, e os lábios rosados de rosário menina. Eu, também menino, via tudo na frente cor-de-rosa, sempre daquela janela do terceiro andar e o Tejo que levava de Alcântara e de Santos os soldados p’ra guerra. Eu, ainda menino, daquela janela do terceiro andar, sentia o tempo a correr, sem nunca saber se os anos iam passar depressa demais. E a rosário ficava lá nas verdes águas furtadas, e os lenços brancos das mães, das avós, das noivas, das mulheres, acenavam como se levassem com eles a saudade e a promessa de voltarem.

E eu, ainda menino, via a rosário de Maria e a paixão subia, subia, e sentia o tempo a correr e não sabia quando a guerra ia acabar.

SBF
(Foto: Av 24 de Julho e o mercado da Ribeira è direita - Google)

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