Um, dois e três, “lá vai alho!” e, lá vai balanço, corre, corre, e… aii! Quatro, cinco e seis, “és pesado c’mó ca…!”
A classe toda ao mesmo tempo, como se de coro de igreja se tratasse; nove vezes um, nove, nove vezes dois, dezoito, nove vezes três, vinte sete… e por aí fora. Nunca gostei da tabuada dos nove nem das fotografias na parede atrás da professora.
Não sei como, mas um, eu sabia que era o Salazar, o outro, só mais tarde soube que era o Craveiro Lopes e já devia ser o Américo Tomás. Estava atrasado três ou quatro anos, porque o Américo Tomás ficou Presidente quando o Humberto Delgado ganhou em 1958, e, como tinha dito que demitia o Salazar, este antecipou-se, e pôs a PIDE a correr com ele. Naquele tempo, os presidentes, os ministros, os directores e o Salazar, faziam assim; quando “não iam à bola com alguém” punham a PIDE, que era uma polícia que não vestia farda para as pessoas não saberem quem eram, dizia eu, punham a PIDE atrás, apanhava a pessoa, prendia, batia e torturava e depois tinham uns tribunais a fingir, que se chamavam “plenários”, onde condenavam as pessoas a penas efectivas de prisão, para não andarem a gritar “Viva a liberdade!”, “Abaixo o fascismo!”, “Abaixo o Salazar!”, “Eleições livres!”, “Vivam os trabalhadores!” “Independência pás Colónias!” e muitas outras coisas que naquele tempo ninguém podia dizer porque o Salazar não queria.
A minha professora não usava régua com buraquinhos. Dava reguadas com uma régua normal de madeira. Estava mesmo a dizer a verdade. Foi injusta comigo, mas eu não tive argumentos que a convencesse, e, não tive como escapar à régua que me aqueceu as palmas das duas mãos. Mas a Professora era boa Senhora.
Encosta só a pontinha da fralda da minha bata branca à bata aos quadradinhos azuis do “Julinho” – E o “Julinho” diz; “Está a fazer contacto, vai dar choque…” e eu esperava e nada…nem contacto, nem choque, tudo na mesma.
E as férias vieram e o Natal também veio, e depois o Ano Novo, e a guerra em Angola começou. Quando voltei à escola, já lá estava o Américo Tomás em vez do Craveiro Lopes. E a minha Mãe dizia mal da guerra. Oh Mãe, quando eu for pá tropa ainda há guerra? Não filho, ainda falta muito tempo.
Eu aprendi com a minha Mãe que a guerra era uma coisa má, e a minha Mãe dizia sempre mal da guerra. Com a minha Mãe só aprendi coisas boas.
Chegou a hora do recreio. Ainda falta muito contado em anos para ir pá tropa.
Um, dois e três, “lá vai alho!”
SBF
Sem comentários:
Enviar um comentário