…Era uma das poucas coisas boas
que ali encontrava, o “Chefe” Cabo Albertino, e os seus petiscos.
Aliás, o Albertino viria a ser um dos
milicianos companheiro de viagem de João, na caixa duma “Berliere”, na madrugada de 26 para 27 de
Novembro, que foram distribuídos pelas residências dos que moravam perto, e
pela Estação de Santa Apolónia, para
os que iam de comboio para casa com o “passaporte”
na mão. …
…Para o João não havia dúvida.
Embora, do ponto de vista político, estivesse na área da chamada esquerda
revolucionária, ou melhor, do PS para a esquerda, e, neste caso, contrário ao “Grupo dos Nove”, para ele o mais
importante era a hipótese de se ver livre da tropa, portanto, a sua escolha,
como para a quase totalidade dos milicianos, era a disponibilidade, passagem à
“peluda” como se dizia então. …
…Há uns dias que a Comissão de Unidade tinha elaborado uma
escala de saídas do quartel, para se saber exatamente o que se estava a passar
no País real. Começava a haver pouca
confiança na informação que chegava via televisão e rádio, e, dentro do
quartel, era a única que havia. …
…Tinha chegado o dia de João sair
para o exterior. No dia seguinte, 25 de Novembro, 3ª Feira, ano do PREC, ainda não eram 9h quando transpôs a “Porta-de-Armas” sob o olhar protetor do Primeiro-Sargento Alves. Uma dúzia de
passos andados já na rua, olhou para trás, contemplou aquele grande portão
verde e, decidido, encaminhou-se para a estação …
…Pouco depois de João
ter saído do quartel como estava previsto, ouve-se o toque para a formatura
geral. …
…de frente para a formatura na
parada…
…Botou discurso o novo Comandante mais uma vez, dizendo que
lamentava a decisão da Assembleia,
que ainda havia tempo para pensarem melhor mas, se for realmente essa a vontade,
tudo fará para que a transição corra sem problemas. Quanto ao regresso do
antigo Comandante, não é negociável e
está fora de questão qualquer cedência nesse sentido. …
…João Marques passou todo
o dia em Lisboa, a maior parte com
colegas de trabalho e, ao fim do dia, rumou a casa onde aproveitaria para matar
saudades da família e dos amigos e preparar roupa, porque a prevenção
continuava e não sabia quando poderia voltar a casa. Tinha consigo três ou
quatro jornais e toda a informação atualizada que conseguiu obter. …
…A televisão, a um dos cantos da
sala, transmitia notícias e, naquela altura, falava o Capitão do MFA, Duran Clemente e era nisso que João estava
interessado.
De repente, o Capitão, interrompe o que estava a
dizer, começa a olhar para cima e para os lados, a imagem desaparece e é
substituída pela escuridão completa do ecrã. Momentos depois, volta a surgir
som e imagem mas, o que o João via, não era o Capitão Clemente mas sim, o exterior dos
estúdios da RTP do Porto no Monte da Virgem. Uma voz off
anuncia de seguida uma comunicação de Sua
Exa o Presidente da República: O General Costa Gomes anunciava o decreto da
declaração de “Estado de Sítio” com recolher obrigatório durante a noite. …
…os pensamentos de João sucediam-se…
e o que mais o atormentava era a ideia de que teria havido um golpe militar de
direita e tudo ia voltar para trás: A guerra, a PIDE, a censura e a tortura iam voltar… tudo se tinha perdido. E
foi neste turbilhão, sem fazer ideia do que estava a acontecer na sua Unidade e dos riscos que corria, que,
voando, chegou ao café onde costumavam parar os amigos. O Zé Silva, que tinha acabado de ver na televisão o mesmo e como se
estivesse à espera dele, quase sem perguntas, meteu-o no seu carro e acelerou
até ao quartel. …
…durante o trajeto, os dois
amigos foram conversando mas a ansiedade de João sobreponha-se a
tudo… o que me irá acontecer quando lá chegar? Vão prender-me com certeza!
Pensava em voz alta o João.
«Não o prenderam mas a história do 25 de Novembro ainda estava no início»
(Continua)
Silvestre Félix
25 de Novembro de 2011
(Parte do escrito “25 de
Novembro do Ano do PREC” de Silvestre Félix e já publicado neste blogue em
Novembro de 2010 – Ver tags em 25 de Novembro.)
(Baseado na realidade,
com nomes e situações ficcionadas)
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