ANO DO PREC – DEPOIS DO 25 DE NOVEMBRO – DIAS 26 E 27 - CAPÍTULO VI E ÚLTIMO

Por volta dum quarto para as duas da madrugada, depois de aparentemente estarem entregues todos os passaportes (cerca de 300), aproximou-se da porta da secretaria da CCB o 1º Sargento Figueiredo, um porreiraço, que por acaso era vizinho do João, pedindo silêncio e atenção para o que ia dizer: “Meus senhores, por determinação do Comando e conforme já vos foi transmitido, todos os militares que escolheram passar à disponibilidade e que tenham residência num raio de 50 quilómetros da Unidade, em virtude de não poderem circular sem autorização devido ao “estado de sítio”, terão à sua disposição transporte militar para os deixar nas suas moradas e em Santa Apolónia, Lisboa, para quem tenha que apanhar comboio para o norte. Assim, quem estiver nestas condições, deverá estar à frente da porta-de-armas de mala aviada às duas e um quarto, para aferição das listagens e organização do transporte nas várias viaturas.”

Rapidamente o João e os amigos Albertino, Mata e Cruz, enfiaram as suas coisas dentro do saco e às duas horas já estavam à porta. O que feito na secretaria do CCS, também foi nas outras duas companhias, de maneira que à porta-de-armas já estava muita gente. “Como é que foi possível emitirem tanto passaporte em menos de duas horas?” Perguntava o João. “O que se estará a passar lá fora? Se me forem pôr a casa hoje, acho que me vão buscar amanhã para Caxias.” Insistia João. O Cruz, que tinha estado a falar com outros sargentos e oficiais, tentava tranquilizar João e os amigos, mas todos estavam com muitas dúvidas. Uns minutos antes da hora marcada, estacionou na parada uma Mercedes fechada de 16 lugares, uma Mercedes com lona onde cabiam aí uns 30 e as duas Berlieres com lona que, bem aconchegadinho, cabiam aí uns 50 em cada uma mas, não era preciso tanto porque o pessoal que ali estava não passava dos 80, 90 no máximo.

Todos os presentes foram descarregados nas listagens pelo 1º Sargento Figueiredo que também ia conduzir uma das Berlieres. Organizaram as viaturas conforme as zonas de residência sendo que João e o Albertino moravam relativamente perto mas no final do circuito já estabelecido. Por sorte, e porque o 1º Figueiredo era vizinho deles, embarcaram na Berliere conduzida por ele. Ao todo, eram uns 30, mas metade, saíram em Santa Apolónia. Partiram muito perto das três da madrugada de 27 de Novembro de 1975, sem saberem o que na verdade se passava no exterior e cheios de dúvidas sobre a continuação, ou não, do regime democrático.

Às quatro e meia da manhã, quase no fim da linha e a chegaram a casa do João, só restavam ele, o Albertino e o Sargento Figueiredo, os três na cabina da Berliere. Dizia o 1º Figueiredo que, se calhar, teria sido melhor terem ficado porque agora é que ia ser tropa a sério, porque assim, porque assado, mas, nem o Albertino nem o João, estavam na mesma onda. A tropa só lhes tinha feito mal, não aprenderam lá nada antes pelo contrário, interromperam as respectivas vidas profissionais e ainda por cima estavam nesta situação ambígua, sem saberem ainda o que lhes ia acontecer. Faltava vinte para as cinco da manhã, quando a Berliere, conduzida pelo 1º Sargento Figueiredo, um gajo porreiro, guinchou e parou, à porta da casa de João Marques, militar à força de 1975, ano do PREC, que, terminava aqui a sua missão ao serviço da Pátria.

O que aconteceu filho? Fugiste? O que foi? Porque estás em casa a esta hora e com a mala?

Não aconteceu nada Mãe! O que é que quer, a tropa agora até nos dá boleia para casa!

Às 9h30m da manhã daquele mesmo dia 27 de Novembro de 1975, tendo dormido menos de 3 horas, João Marques reiniciou a sua atividade profissional como se nada tivesse acontecido.

A democracia ganhou!

(Partes do texto “25 de Novembro do ano do PREC” de Silvestre Félix)
(Baseado em fatos reais, com situações e nomes ficcionados)

Silvestre Félix

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