Vamos fazer o caminho habitual, até agora não vi tropa nenhuma. Ali no Largo do Carmo estava um tipo a dizer que desde o Rossio até ao Terreiro do Paço estava tudo ocupado por Militares da Revolução e que não deixavam passar ninguém. É pá, até tenho as pernas a tremer, vamos descer a rua do Alecrim e depois lá em baixo logo se vê. Então e já reparaste nas pessoas que estão a fazer o trajecto ao contrário, os comboios em vez de deixarem pessoas estão a levá-las de volta. Bom, então vamos para baixo.
Daqui consigo ver a Rua do Arsenal até ao Terreiro do Paço. Só vejo capacetes de militares, mas… espera, estão a vir na nossa direcção, e as pessoas estão a vir também, o melhor é entrarmos no prédio, sempre estamos resguardados e dá para percebermos depois que tropas são estas. Eu cá não tenho dúvidas, o que ouvi no rádio antes de sair de casa dava para perceber que a tropa revoltada é de esquerda… embora a gente não saiba se estes são do lado do Governo ou não, por isso é melhor entrarmos e só saímos depois de termos certezas.
Saímos do prédio e diz o militar com ar sorridente, podem ir com cuidado subindo a rua do Alecrim, mas depois vão para casa. Era o que queríamos ouvir, subimos a rua do Alecrim até ao Chiado e percebemos que ali também já havia tropa, mas a confusão ainda era grande, havia muitos PSP’s, e começava a ver-se alguma tropa na entrada da rua António Maria Cardoso que era a sede da PIDE.
Nalguns sítios, mais junto às paragens dos eléctricos começavam a juntar-se bastantes pessoas, e comecei a ouvir alguns gritos eufóricos. Lembro-me do primeiro “Morte à PIDE!”. Este tipo de comportamento foi fazendo com que as pessoas se sentissem mais à vontade e logo a seguir “Abaixo o Governo de Caetano!”.
Isto já faltaria pouco para o meio-dia, e cada vez havia mais pessoas, e já não me lembro bem como, começamos a andar na direcção do Largo Carmo que já estava cheio de gente e militares, assim tudo misturado. A GNR tinha os portões todos fechados e alguns tropas tinham cravos nas orelhas e no cano das G3. Todos os militares estavam sorridentes, nem pareciam que estavam armados. Oh Vicente, o que é que tu achas? Estão a dizer que o Marcelo Caetano está aqui no quartel, será? Mas, o que é certo é que os militares estavam todos virados para o quartel e andam Sargentos ou Furriéis entre um Capitão e os Soldados.
A bifana estava boa como era costume e a algazarra era grande, e cada vez havia mais gritos que começavam a transformar-se em palavras de ordem; Viva o Movimento das Forças Armadas! Viva Portugal! Abaixo a Guerra d’África!
O tempo passou muito depressa, sem perceber como, também já estava comigo, para além do Vicente, o Carlos Alberto.
Depois de alguns avisos gritados por megafone, de que abririam o portão à força, se não deixassem o Capitão entrar para receber a rendição do Prof Marcelo Caetano, foram disparados vários tiros de G3 para a frontaria do Quartel, com o pessoal a correr a esconder-se por todo o lado. Rapidamente voltou tudo ao mesmo até que pelas seis da tarde chegou o Spínola que entrou no quartel saindo pouco depois, e entretanto estava um blindado “Chaimite” junto ao portão, que disseram depois terá levado dali o Prof Marcelo Caetano e mais Ministros do Governo deposto.
Viva o Movimento das Forças Armadas! Abaixo a Pide! Viva Portugal!
CONSEGUI COMPRAR A 3ª EDIÇÃO DO JORNAL “REPÚBLICA” DESTE DIA 25 DE ABRIL DE 1974 E NÃO FOI PRECISO BOBRA-LO AO CONTRÁRIO PARA QUE NÃO SE PERCEBESSE QUE ERA O “REPÚBLICA”. A PIDE ESTAVA SEMPRE ATENTA.
NUNCA MAIS PRECISEI DE ESCONDER O “REPÚBLICA”,
NUNCA MAIS PRECISEI QUE FORRAR OS LIVROS LIDOS NO COMBOIO,
NUNCA MAIS PRECISEI DE OLHAR EM VOLTA PARA ME CERTIFICAR DE NÃO HAVER ALGUM PIDE QUANDO FALAVA DA GUERRA COM OS MEUS AMIGOS,
NUNCA MAIS PRECISEI DE FALAR BAIXINHO PARA EVITAR QUE ALGUM BUFO OUVISSE A CONVERSA,
NUNCA MAIS PRECISEI DE TER MEDO DE IR PARA A TROPA,
NUNCA MAIS TIVE MEDO DE IR PARA A GUERRA,
NUNCA MAIS TIVE MEDO DE SER PORTUGUÊS,
VIVA O 25 DE ABRIL SEMPRE!
(Fotos da galeria de Eduardo Gageiro)
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