O rio Tejo, os cacilheiros que o atravessam, ainda uma ou outra falua de vela esticadinha, a doca seca da Lisnave, os passageiros que saem do que atracou no Cais do Sodré deste lado e que correm para os verdes de primeiro andar e para os amarelos, os que saem e entram da estação de comboios, o trânsito que atravessa a praça nos dois sentidos inversos da Ribeira das Naus e da 24 de Julho, a varina e o pregão que, se não vejo, oiço, o rodas-baixas marreco com a sorte-grande na mão, o ardina que não vejo mas adivinho, o roçar dos carris dos amarelos começando a subir a do Alecrim em direção ao Camões, o Bragança do Eça e a das Flores da sua tragédia e do Bulhão Pato, a Inglesa e a Britânica de tabacos e valores selados, a Anglo-Americana o Olímpio e os livros, o bitoque e o bilhar do Califórnia, o digestivo e o pãozinho em sandes de chouriço e o ginger-beer do British-Bar, a bica e os bolos da Caneças e da Zarzuela, o frango-assado do Rio-Grande, as aguardentes e cervejas do Atlântico e as águas-furtadas dos da frente com estendais coloridos que procuram brisa ensolarada e encontros furtivos na confusão dos passantes na Bernardino Costa e na do Arsenal.
É o filme da vida chapado no ecrã que eu vejo daquela janela do terceiro andar.
A fita é longa e passa muito tempo contado em anos.
Agora, os passantes na Bernardino Costa e na do Arsenal são tão poucos, que já nem tem confusão. Os prédios da Praça estão muito vazios, muito degradados e muito pobres. A minha janela do terceiro andar não tem inquilino, o Olímpio dos livros não está, o Bragança está a cair, o Califórnia não existe, o ardina também não e o marreco não se ouve.
O tempo rouba o melhor da vida!
Silvestre
(Foto: Net)
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