Naquele balcão corrido de mercearia dos anos sessenta, palpitavam as compras de quartas e quartilhos à medida da jorna barata. Faltavam dois anos para o “botas” cair da cadeira, oito para cair a longa noite e a guerra continuava lá “pelas Áfricas”.
O “puto” da mercearia, ou – de acordo com a tabela corporativa das profissões, artes e ofícios, publicada por uma qualquer direção geral – o “marçano”, era eu. O merceeiro, ou – conforme a austeridade dos tempos impunha – guardador do livro de apontamento ou, numa linguagem popular e fluentemente usada pelo freguês, “ o rol de fiado”, era o Ti Ramos.
Embora com responsabilidades, funções, idade, tamanho em altura e largura diferentes, ambos sofríamos da mesma maneira naquela tarde de 23 de Julho de 1966. Os “Magriços” estavam a perder aos 25 minutos de jogo por 3-0 com a Coreia do Norte.
E agora? Paciência, melhores dias virão.
Como testemunho do sofrimento pelas notícias que “saíam” do rádio a pilhas, o Ti Ramos pôs-me em “sentido” e disse do “alto” da sua sabedoria de merceeiro guardador do “rol de fiado”: São horas de ires levar as compras ao Casal-da-Peça. Já está tudo aviado e dentro do carro (Um eixo central, com rodas de bicicleta em cada extremo, recipiente equilibrado ao meio e um vão com a função de “guiador”). Com os “Magriços” em baixo e logo por três, lá fui em viagem de pelo menos uma hora, certo que não iria perder grande coisa.
Fui, e na volta, chegado ao reduto do merceeiro, vim encontrar o Ti Ramos com um sorriso de orelha-a-orelha. Bem…, pensei eu; o sobrenatural tem destas coisas, aconteceu algum milagre?
Tinha acontecido um milagre, Portugal tinha ganho 5-3, e passamos a ter mais um “santo” – Eusébio de seu nome!
Muitos portugueses, passados 44 anos, estão à espera de mais um milagre. Será que os “Navegadores” vão conseguir ganhar à Coreia do Norte? A ver vamos!
SBF
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